Ed Mort
Um dos principais nomes do cinema brasileiro, o cineasta Alain Fresnot mistura elementos de humor e delicadeza em seus filmes, mostrando uma visão de mundo que poucos Conhecem

Lilian Liang

Em uma sala com mesa de madeira na Vila Leopoldina, capital paulista, cercado de pôsteres e fotos de pessoas queridas, Fresnot toca a AF Cinema e Vídeo, responsável por filmes como Ed Mort, Castelo Rá Tim Bum e Desmundo. Lá encontrei o cineasta de calças brancas, suas preferidas, e uma gravata verde comprada num museu parisiense. É em seu escritório que Fresnot recupera o peso de seu nome - um nome irresistivelmente francês, que o batizou há quase 54 anos e que se tornou sinônimo de carreira consistente e cinema bem feito no Brasil.

Fresnot começou cedo no mundo do cinema e ocupou todos os cargos que alguém com qualquer intenção séria nesse universo poderia ocupar. Foi editor, roteirista, produtor, diretor e até ator. Hoje também é presidente da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), uma sociedade de defesa do cinema brasileiro. Produções em que trabalhou incluem filmes como Trem Fantasma (direção), Eles não usam black tie (diretor assistente), A Marvada Carne (editor), Ed Mort (diretor) e Kenoma (produtor). Seu filme mais recente, Desmundo, que trata da história de uma adolescente que vem ao Brasil na marra em 1570, ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Cinema Brasileiro de Paris. E mesmo com um currículo desses, não dá para ser mais low profile que Alain Fresnot. Crises de estrelismo não existem em seu dicionário cinematográfico e seus filmes contam histórias com delicadeza e bom humor, características que refletem a personalidade de seu criador.

O cineasta tem experimentado uma maré de boa sorte depois dos 50. Desmundo, de 2002, foi sucesso de crítica. E, aos 53 anos, quando seus contemporâneos já se renderam aos temíveis óculos para perto, a visão de Alain continua intacta, invicta, a não ser por uma leve, para não dizer charmosa, miopia, que o obriga, de tempos em tempos, a renovar seus arsenal de armações, que procura comprar sempre de uma tacada só.

20/20 - Desde quando você usa óculos?

Ed Mort: Desde os 12, 13 anos. Sempre tive um pouquinho de miopia, 0,75 em um olho, 0,5 no outro, mas mesmo com pouco era desconfortável à distância. Descobri que tinha miopia na rua, as placas foram ficando embaçadas. Naquela época não tinha lente de contato. Quando elas chegaram, eu tentei uma vez, mas aquilo me deu um desconforto! Eu não gosto de nada invasivo, então essa idéia de pegar uma coisa e colocar dentro da vista... E antes era aquela lente de vidro, mais rígida, então nunca tive coragem.

20/20 - Você não gosta de usar óculos?

Ed Mort: Eu não tenho problema com óculos, mas é difícil encontrar uma boa armação, que vá bem no rosto. Por isso, quando acho uma que eu gosto, compro duas ou três iguais, isso tanto nos óculos escuros quanto nos claros. Esse aqui redondinho (mostra os óculos sobre a mesa) é o último que me resta de uma série de quatro idênticos. Às vezes para não ficar completamente igual eu faço com um tom mais escuro, outro tom médio, mas mando fazer tudo junto porque tenho preguiça de ir a lojas. Agora estou em pânico porque é o último que me resta e eu tenho certeza de que não vou achar mais essa armação.

20/20 - O que você mudaria nos óculos de hoje?

Ed Mort: Acho que os óculos poderiam ser aprimorados como objeto. Eles são muito antigos, poderiam ser muito melhorados. Ele ainda precisa ser apoiado no nariz, por exemplo. Sei lá, talvez algum modelo cujas hastes desconsiderassem as orelhas, mas levassem em consideração a cabeça, algo que tivesse uma haste só, desce pro alto da testa. Se você pensar nos óculos de antigamente, as hastes também eram bem maiores então vai de um aprimoramento tecnológico.

20/20 - Você é cuidadoso com sua visão?

Ed Mort: Não vou muito ao oftalmologista, sou meio relaxado. Deveria ir mais, principalmente agora que estou começando a trabalhar com solda, que mexe muito com a vista. A última vez que fui foi há dois anos, quando fiz a avaliação para operação. Mas é interessante que agora existe uma máscara para o soldador cuja lente é fotossensível: na hora em que o eletrodo dá o contato, a lente escurece automaticamente.

20/20 - Quem tem olhos claros geralmente não tolera muita luz. É o seu caso?

Ed Mort: Eu tenho fotofobia. Comecei minha carreira como montador, editor, dentro de uma moviola. Era uma telinha de cinema e era assim, a imagem vai para frente, para trás e eu trabalhei durante anos em cima dessa máquina. E isso é insalubre. Nos países sérios, é proibido o cara trabalhar mais do que seis horas corridas nessa máquina. Eu trabalhava 14. Acho que a exposição à moviola durante anos seguidos deixou meu olho bastante sensível. Para mim, óculos escuros são fundamentais, daí o pânico de estar só com um agora. Se eu perder esse, eu praticamente não posso sair na rua.

20/20 - Como é o convívio com os óculos?

Ed Mort: Minha convivência com óculos é tão antiga, tão natural que já faz parte, é uma coisa básica. Claro que uma vez ou outra você pisa em cima ou senta em cima deles, mas não sou muito desastrado. Tenho uma rotina, então quando vou dormir coloco no criado-mudo, mas eu tinha os dois últimos desse que estou usando e um do modelo anterior a esse que também está lá em casa. Outro dia tinham sumido todos, a empregada ficou procurando e depois descobrimos que estava no carro. Também perco muitos óculos quando estou velejando. Aliás, o fundo da represa é o maior cemitério de óculos da cidade de São Paulo porque é comum as pessoas esquecerem o cordãozinho - aí você vai pra água, o barco vira e a primeira coisa que desaparece são os óculos.

20/20 - Como é trabalhar com a visão e usar óculos?

Ed Mort: Claro que com a idade a situação fica mais crítica, a vista fica mais cansada. Enxergo bem de perto e não preciso de óculos. Ponho os óculos para enxergar de longe. É um tira e põe, mas eu enxergo bem para tudo. Em muitos aparelhos ópticos, binóculos, mesmo câmera fotográfica tem uma correção de foco no próprio aparelho, então não tem problema.

20/20 - Você concorda com o diretor Wim Wenders quando ele diz, em Janela da Alma, que os óculos são como molduras, que selecionam o que a gente vê?

Ed Mort: Acho que tem um pouco isso. Na verdade, a gente tem visão periférica, mas é uma visão animal. Agora não tem mais predador, então o cérebro meio que anula essa função. Muitas vezes você está de olho aberto, mas não está enxergando porque você está numa viagem interior. Temos uma visão residual, instintiva, de animal contra predadores. É a distinção entre ver e olhar. O olhar que tudo vê é complicado porque é muita informação.
São duas coisas diferentes. Se você enxergasse tudo que vê ficaria muito cansado porque é muita informação o tempo todo. É uma relação mediada com o olhar.

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