Graziella Moretto
A atriz Graziella Moretto mostra quantas caras, bocas e pares de óculos deve ter uma artista que se preze. E prova que o melhor da vida ainda é fazer rir
Graziella é tão boa em provocar gargalhadas que fica difícil acreditar que essa santista foi tímida um dia. Pisou num palco pela primeira vez aos 14 anos, incentivada pelo pai, ator amador, e considerava as aulas de teatro seu canto para ser extrovertida. Gostou tanto da brincadeira que acabou por transformá-la em profissão. Ingressou na Escola de Arte Dramática (EAD-USP), cujas crias incluem atores como Marisa Orth, Aracy Balabanian e Sérgio Mamberti.
Mesmo com talento inquestionável, a ralação no começo da carreira foi cruel. Depois de se formar, partiu para Nova York, onde ficou por três anos trabalhando como babá e garçonete para bancar seus cursos no Public Theater e no Actor's Center. Sempre que vinha ao Brasil, fazia campanhas publicitárias. "Eu era vendedora de presunto", brinca.
A reviravolta em sua carreira veio em 1999, quando Graziella recebeu o convite para participar de Domésticas, dirigido por Fernando Meirelles, um dos diretores brasileiros mais badalados da atualidade. Para ela, foi um divisor de águas. Além de o filme ser responsável por seu reconhecimento profissional, foi durante as filmagens do longa-metragem que conheceu seu marido, o técnico de som Guilherme Ayrosa. De lá, surgiram convites para outros filmes - entre eles, Cidade de Deus, indicado ao Oscar este ano - e até uma temporada no elenco de Os Normais, hit da televisão brasileira protagonizado pelos impagáveis Luís Fernando Guimarães e Fernanda Torres.
20/20 - Você usa óculos porque precisa ou por vaidade?
Graziella Moretto: Uso óculos desde os 12 anos. No começo era só miopia, o astigmatismo começou quando eu tinha uns 20. Hoje tenho dois graus de miopia e um de astigmatismo, que já estão estacionados há algum tempo. Percebi que tinha alguma coisa errada na escola, porque minha visão começou a ficar embaçada e eu sentava lá na frente
20/20 - Como foi ter que usar óculos na adolescência?
Graziella Moretto: Eu achava o máximo, acreditava que os óculos me davam um certo ar de intelectualidade. Meus pais também adoram óculos, então na época foi quase um evento, do tipo "Vamos escolher um par de óculos para você". Sempre considerei os óculos um acessório que fazia parte de mim. Pode soar meio clichê, mas muita gente diz que ator é tímido, portanto os óculos agem como um filtro. É como se ajudassem a me proteger. Na adolescência funcionou um pouco assim. Como nunca fui namoradeira nem extrovertida, acho que me escondi atrás dos óculos
20/20 - Como é o seu relacionamento com os óculos?
Graziella Moretto: Sempre gostei muito de escolher óculos e sempre fui muito fiel a eles. Usava o mesmo modelo por dois, três anos. Hoje tenho vários porque acho que preciso. Gosto de armações escuras, apesar de muita gente dizer que eles me envelhecem. Mas eu me sinto confortável com eles, até por ser um filtro. Tenho aqueles transparentes, discretos, mas prefiro que saibam que estou usando óculos.
Eu não consigo ir daqui até ali sem óculos. Acordo e tenho que colocá-los para enxergar. Há quem não goste de usar nem óculos nem lentes de contato. A Carolina Ferraz, por exemplo, tem seis graus de miopia e não usa nada porque não gosta. Não usa nem para dirigir. Ela disse que já teve que descer do carro para enxergar placas, mas se recusa a usar óculos ou lentes. Eu não consigo.
20/20 - Óculos combinam com a profissão de atriz?
Graziella Moretto: Os óculos eram um acessório que eu achava bacana, mas tive que começar a usar lentes de contato quando eles começaram a me atrapalhar profissionalmente.
Antes das lentes eu fazia as peças sem ver com nitidez. Era um problema, porque eu não conseguia enxergar a expressão do companheiro em cena. A situação piorou com o astigmatismo, porque a sensação era de estar vendo TV com fantasma.
Por isso, profissionalmente as lentes foram um avanço na minha vida. Quando comecei a usá-las, a platéia ganhou outra dimensão, e ver o companheiro em cena com nitidez fez uma diferença enorme. Mas no dia-a-dia prefiro ficar de óculos.
É parte da minha identidade.
20/20 - Quantos pares de óculos você tem hoje?
Graziella Moretto: Tenho cinco pares de grau e uns oito pares de óculos escuros bem ruins. No acervo da minha irmã, que é estilista, estão todos os óculos que eu tive na minha vida inteira, e mais uma porção de óculos escuros que eu doei para ela. Não gasto muito dinheiro com óculos de sol porque sou desleixada e jogo tudo na bolsa junto com as chaves. Minhas irmãs dizem que eu nunca vou poder ter óculos de sol caros. Isso não acontece com os de grau porque eles estão sempre no rosto ou no criado-mudo.
20/20 - Já fez personagens de óculos?
Graziella Moretto: Muitos, inclusive para a Terça Insana. Acho que eles ainda carregam um quê de caricatura. Quando você coloca óculos em cena, está pontuando alguma coisa. Um par de óculos para um personagem é um statement. Você dificilmente vai colocar uma mocinha de óculos - a Maria Clara Diniz não iria usar óculos, por exemplo. Isso é um tipo de preconceito ainda relacionado a eles, muito ligado a estereótipos, passando a idéia de que os óculos enfeiam a pessoa, o que é uma bobagem. Já os de sol, por exemplo, são sempre sinal de status.
20/20 - Sua carreira pode ser dividida em pré-Domésticas e pós-Domésticas?
Graziella Moretto: Domésticas foi um divisor de águas. É um personagem que eu tive liberdade total para fazer e que mostrou um lado meu que talvez ninguém nunca tivesse visto, principalmente de humor. Era um personagem completo, que qualquer ator gostaria de fazer, ainda mais da forma experimental e artesanal com que foi feito. Depois do filme todo mundo começou a me conhecer, muita gente viu meu trabalho, principalmente no meio. E foi em Domésticas que eu conheci meu marido.
20/20 - Como foi a experiência de trabalhar em Os Normais?
Graziella Moretto: Fazer Os Normais foi uma surpresa. Era um programa a que eu gostava de assistir, que tinha um diferencial, não só de linguagem e texto, mas na maneira como era feito. E eu já era fã do Luís Fernando Guimarães e da Fernanda Torres, porque cresci assistindo à TV Pirata, que foi um programa que me inspirou.
20/20 - Você considera o humor um filão a ser trabalhado?
Graziella Moretto: Não é um filão ou algo que eu olhe com objetividade. Gosto muito de fazer humor, gosto de fazer rir porque eu gosto de rir. Ultimamente eu digo que, mais do que trabalhar, tenho me divertido pra caramba, porque eu só dou risada. Eu fazia Terça Insana morrendo de rir, faço a novela me divertindo à beça. Mas como artista é a maneira com que estou me comunicando com o público. E está chegando. Através da Terça Insana tive oportunidade de falar coisas que me indignavam. Como artista, enquanto me comunicar com as pessoas e achar que o que estou fazendo reflete minha indignação, ótimo: vou fazer rir. O feedback que eu tenho é que as pessoas realmente se identificam com o que eu faço
20/20 - Como você avalia a situação da televisão brasileira?
Graziella Moretto: É uma situação deplorável. Eu estou numa novela que é atípica, escrita pelo João Emanuel, um cara que era roteirista de cinema, que escreve superbem e que descobriu que gosta de escrever novela. Então há uma luz no fim do túnel. Mas do jeito que a coisa vai, é realmente desalentador. Todo mundo falava que a gente detonava muito com a televisão no Terça Insana. Mas eu nem assisto à TV. Só o que chega por osmose já é suficiente para ficar tão revoltado que já tem material de sobra. Tento fazer a minha parte. Tenho projetos, o sonho de contribuir, de fazer diferença. Você vai fazendo opções, como não fazer coisas em que não acredita. A gente vai tentando abrir um caminho. Uma hora chega lá.
20/20 - A Nina vai seguir os passos da mãe?
Graziella Moretto: Eu sempre falo que vamos incentivar para o esporte (risos). Mas acho bonito quando é algo de família. Eu comecei a fazer teatro porque meu pai é ator amador, mas profissionalmente teve que escolher outra vida. Ele estimulou muito a gente, tanto que eu sou atriz, tenho uma irmã estilista e outra que faz pedagogia e trabalha com arte e educação. De alguma maneira, isso entrou na vida de todas nós. Eu não vou forçar nem estimular, mas existem histórias em que é inevitável. A Fernanda Torres, por exemplo. Não dá para dizer que aquilo é só herança. Veio no sangue. O importante é fazer o que se gosta. Mas às vezes estar no meio ajuda a trazer aquilo que já vem de fábrica.
Graziella é tão boa em provocar gargalhadas que fica difícil acreditar que essa santista foi tímida um dia. Pisou num palco pela primeira vez aos 14 anos, incentivada pelo pai, ator amador, e considerava as aulas de teatro seu canto para ser extrovertida. Gostou tanto da brincadeira que acabou por transformá-la em profissão. Ingressou na Escola de Arte Dramática (EAD-USP), cujas crias incluem atores como Marisa Orth, Aracy Balabanian e Sérgio Mamberti.
Mesmo com talento inquestionável, a ralação no começo da carreira foi cruel. Depois de se formar, partiu para Nova York, onde ficou por três anos trabalhando como babá e garçonete para bancar seus cursos no Public Theater e no Actor's Center. Sempre que vinha ao Brasil, fazia campanhas publicitárias. "Eu era vendedora de presunto", brinca.
A reviravolta em sua carreira veio em 1999, quando Graziella recebeu o convite para participar de Domésticas, dirigido por Fernando Meirelles, um dos diretores brasileiros mais badalados da atualidade. Para ela, foi um divisor de águas. Além de o filme ser responsável por seu reconhecimento profissional, foi durante as filmagens do longa-metragem que conheceu seu marido, o técnico de som Guilherme Ayrosa. De lá, surgiram convites para outros filmes - entre eles, Cidade de Deus, indicado ao Oscar este ano - e até uma temporada no elenco de Os Normais, hit da televisão brasileira protagonizado pelos impagáveis Luís Fernando Guimarães e Fernanda Torres.
20/20 - Você usa óculos porque precisa ou por vaidade?
Graziella Moretto: Uso óculos desde os 12 anos. No começo era só miopia, o astigmatismo começou quando eu tinha uns 20. Hoje tenho dois graus de miopia e um de astigmatismo, que já estão estacionados há algum tempo. Percebi que tinha alguma coisa errada na escola, porque minha visão começou a ficar embaçada e eu sentava lá na frente
20/20 - Como foi ter que usar óculos na adolescência?
Graziella Moretto: Eu achava o máximo, acreditava que os óculos me davam um certo ar de intelectualidade. Meus pais também adoram óculos, então na época foi quase um evento, do tipo "Vamos escolher um par de óculos para você". Sempre considerei os óculos um acessório que fazia parte de mim. Pode soar meio clichê, mas muita gente diz que ator é tímido, portanto os óculos agem como um filtro. É como se ajudassem a me proteger. Na adolescência funcionou um pouco assim. Como nunca fui namoradeira nem extrovertida, acho que me escondi atrás dos óculos
20/20 - Como é o seu relacionamento com os óculos?
Graziella Moretto: Sempre gostei muito de escolher óculos e sempre fui muito fiel a eles. Usava o mesmo modelo por dois, três anos. Hoje tenho vários porque acho que preciso. Gosto de armações escuras, apesar de muita gente dizer que eles me envelhecem. Mas eu me sinto confortável com eles, até por ser um filtro. Tenho aqueles transparentes, discretos, mas prefiro que saibam que estou usando óculos.
Eu não consigo ir daqui até ali sem óculos. Acordo e tenho que colocá-los para enxergar. Há quem não goste de usar nem óculos nem lentes de contato. A Carolina Ferraz, por exemplo, tem seis graus de miopia e não usa nada porque não gosta. Não usa nem para dirigir. Ela disse que já teve que descer do carro para enxergar placas, mas se recusa a usar óculos ou lentes. Eu não consigo.
20/20 - Óculos combinam com a profissão de atriz?
Graziella Moretto: Os óculos eram um acessório que eu achava bacana, mas tive que começar a usar lentes de contato quando eles começaram a me atrapalhar profissionalmente.
Antes das lentes eu fazia as peças sem ver com nitidez. Era um problema, porque eu não conseguia enxergar a expressão do companheiro em cena. A situação piorou com o astigmatismo, porque a sensação era de estar vendo TV com fantasma.
Por isso, profissionalmente as lentes foram um avanço na minha vida. Quando comecei a usá-las, a platéia ganhou outra dimensão, e ver o companheiro em cena com nitidez fez uma diferença enorme. Mas no dia-a-dia prefiro ficar de óculos.
É parte da minha identidade.
20/20 - Quantos pares de óculos você tem hoje?
Graziella Moretto: Tenho cinco pares de grau e uns oito pares de óculos escuros bem ruins. No acervo da minha irmã, que é estilista, estão todos os óculos que eu tive na minha vida inteira, e mais uma porção de óculos escuros que eu doei para ela. Não gasto muito dinheiro com óculos de sol porque sou desleixada e jogo tudo na bolsa junto com as chaves. Minhas irmãs dizem que eu nunca vou poder ter óculos de sol caros. Isso não acontece com os de grau porque eles estão sempre no rosto ou no criado-mudo.
20/20 - Já fez personagens de óculos?
Graziella Moretto: Muitos, inclusive para a Terça Insana. Acho que eles ainda carregam um quê de caricatura. Quando você coloca óculos em cena, está pontuando alguma coisa. Um par de óculos para um personagem é um statement. Você dificilmente vai colocar uma mocinha de óculos - a Maria Clara Diniz não iria usar óculos, por exemplo. Isso é um tipo de preconceito ainda relacionado a eles, muito ligado a estereótipos, passando a idéia de que os óculos enfeiam a pessoa, o que é uma bobagem. Já os de sol, por exemplo, são sempre sinal de status.
20/20 - Sua carreira pode ser dividida em pré-Domésticas e pós-Domésticas?
Graziella Moretto: Domésticas foi um divisor de águas. É um personagem que eu tive liberdade total para fazer e que mostrou um lado meu que talvez ninguém nunca tivesse visto, principalmente de humor. Era um personagem completo, que qualquer ator gostaria de fazer, ainda mais da forma experimental e artesanal com que foi feito. Depois do filme todo mundo começou a me conhecer, muita gente viu meu trabalho, principalmente no meio. E foi em Domésticas que eu conheci meu marido.
20/20 - Como foi a experiência de trabalhar em Os Normais?
Graziella Moretto: Fazer Os Normais foi uma surpresa. Era um programa a que eu gostava de assistir, que tinha um diferencial, não só de linguagem e texto, mas na maneira como era feito. E eu já era fã do Luís Fernando Guimarães e da Fernanda Torres, porque cresci assistindo à TV Pirata, que foi um programa que me inspirou.
20/20 - Você considera o humor um filão a ser trabalhado?
Graziella Moretto: Não é um filão ou algo que eu olhe com objetividade. Gosto muito de fazer humor, gosto de fazer rir porque eu gosto de rir. Ultimamente eu digo que, mais do que trabalhar, tenho me divertido pra caramba, porque eu só dou risada. Eu fazia Terça Insana morrendo de rir, faço a novela me divertindo à beça. Mas como artista é a maneira com que estou me comunicando com o público. E está chegando. Através da Terça Insana tive oportunidade de falar coisas que me indignavam. Como artista, enquanto me comunicar com as pessoas e achar que o que estou fazendo reflete minha indignação, ótimo: vou fazer rir. O feedback que eu tenho é que as pessoas realmente se identificam com o que eu faço
20/20 - Como você avalia a situação da televisão brasileira?
Graziella Moretto: É uma situação deplorável. Eu estou numa novela que é atípica, escrita pelo João Emanuel, um cara que era roteirista de cinema, que escreve superbem e que descobriu que gosta de escrever novela. Então há uma luz no fim do túnel. Mas do jeito que a coisa vai, é realmente desalentador. Todo mundo falava que a gente detonava muito com a televisão no Terça Insana. Mas eu nem assisto à TV. Só o que chega por osmose já é suficiente para ficar tão revoltado que já tem material de sobra. Tento fazer a minha parte. Tenho projetos, o sonho de contribuir, de fazer diferença. Você vai fazendo opções, como não fazer coisas em que não acredita. A gente vai tentando abrir um caminho. Uma hora chega lá.
20/20 - A Nina vai seguir os passos da mãe?
Graziella Moretto: Eu sempre falo que vamos incentivar para o esporte (risos). Mas acho bonito quando é algo de família. Eu comecei a fazer teatro porque meu pai é ator amador, mas profissionalmente teve que escolher outra vida. Ele estimulou muito a gente, tanto que eu sou atriz, tenho uma irmã estilista e outra que faz pedagogia e trabalha com arte e educação. De alguma maneira, isso entrou na vida de todas nós. Eu não vou forçar nem estimular, mas existem histórias em que é inevitável. A Fernanda Torres, por exemplo. Não dá para dizer que aquilo é só herança. Veio no sangue. O importante é fazer o que se gosta. Mas às vezes estar no meio ajuda a trazer aquilo que já vem de fábrica.