Ruth Escobar
O fabuloso destino de Ruth Escobar

Suas produções contestaram o sistema político de uma época e consagraram seu nome como um dos mais influentes do teatro brasileiro. Aqui ela fala de suas marcas registradas: a personalidade guerreira e o fato de nunca, nunca sair de casa sem óculos.

Lilian Liang - Revista 20/20 Brasil

Ruth Escobar é durona, que ninguém duvide disso. Filha de mãe costureira e pai incógnito - que em português claro significa que ele nunca quis reconhecê-la -, deixou sua Porto natal com 16 anos porque queria conhecer o mundo. Veio parar no Brasil. Casou-se com o filósofo Carlos Henrique Escobar, cujo sobrenome manteve, e juntos foram para a França, em 1958. Em Paris, fez cursos de interpretação que deram o empurrão para que Maria Ruth dos Santos se tornasse um dos principais nomes do teatro brasileiro.

20/20 - Você usa óculos porque enxerga mal ou é uma questão de estilo?

Ruth Escobar: Comecei a usar óculos quando tinha 23, 24 anos porque estava forçando os olhos para enxergar. Na época só tinha miopia, hoje tenho miopia e astigmatismo. O grau não é alto, mas é suficiente para que eu tenha que usar óculos para ir ao cinema, senão não consigo ler legendas. Mas de perto enxergo perfeitamente, meu problema é com a distância. Sempre tiro os óculos para ler o jornal.

20/20 - Você tem preferência por algum tipo específico de óculos?

Ruth Escobar: Antigamente usava muito óculos bem redondos porque era moda. Hoje uso modelos mais quadrados. Também gosto de lentes com alguma cor. Raramente compro modelos com lentes transparentes, e os poucos que tenho uso só para assistir à televisão, por exemplo. Tenho óculos das mais diversas marcas: Armani, Gucci, Dior. Meu preferido nos últimos tempos era um Dior, mas perdi numa festa no consulado francês. Sempre perco óculos.

20/20 - Quantos pares de óculos você já teve?

Ruth Escobar: No mínimo uns 60 pares. Tenho óculos espalhados por todos os lugares, inclusive na casa de praia, e vivo perguntando para as empregadas onde eles estão. Mas é sempre assim: vou ao banheiro numa festa, tiro para retocar a maquiagem e esqueço. Tenho alguns pares que marcaram fases da minha vida, como um preto-e-branco que usei muito quando era deputada, há 20 anos. Tenho alguns modelos para festas, mas no dia-a-dia prefiro os mais leves. Mas eles são sempre estilosos.

20/20 - Os óculos então já se tornaram marca registrada de Ruth Escobar?

Ruth Escobar: Sem dúvida. No Carnaval do ano passado, por exemplo, uma celebridade saiu fantasiada de Ruth Escobar. E o que ela estava usando? Um par de óculos redondos enormes! Estou tão acostumada a andar com óculos que muitas vezes saio de casa com três pares sem nem perceber. Saio com um na cabeça, outro no rosto e outro pendurado na blusa. Isso já me aconteceu várias vezes.

20/20 - Houve alguma peça em que você teve que atuar usando óculos?

Ruth Escobar: Não, e achava até bom, porque assim não conseguia enxergar a platéia (risos). A única personagem que fiz de óculos foi em Fábrica de Chocolate, do Mário Prata, quando interpretava uma delegada de polícia que usava óculos de lentes claras.

20/20 - Como era sua relação com o teatro na ditadura e como ela é hoje?

Ruth Escobar: Naquela época era uma relação mais visceral. Meu teatro foi praticamente o centro da resistência à ditadura e era um referencial para a juventude, um espaço para contestação e movimento. Por causa das minhas atividades, fui a última condenada pela Lei de Segurança Nacional e peguei dois anos de cadeia, que nunca tive que cumprir porque logo em seguida veio a abertura. Hoje me relaciono de uma forma muito mais tranqüila, mas o teatro ainda é uma religião.

20/20 - Você produziu peças que se tornaram marcos, como O Balcão, de Jean Genet. Há alguma peça menos famosa pela qual a senhora tenha um carinho especial?

Ruth Escobar: Uma peça que eu gostei de fazer foi O Versátil Mr. Sloane. Eu fazia uma personagem meio patética, uma mulher apaixonada por um menino. Essa peça me marcou porque talvez, em algum recôndito de mim, tenha havido alguma identificação com essa mulher patética. Normalmente eu só mostro meu lado guerreiro, mas eu tenho um lado patético, todos temos. Eu certamente tenho. Aquela peça vinha me dizer isso.

20/20 - O brasileiro vai ao teatro?

Ruth Escobar: O brasileiro vai muito ao teatro, mas hoje se criou no Brasil uma espécie de teatro prêt-à-porter, mais comercial. Existem grandes autores de teatro comercial, como Juca de Oliveira, que faz um tipo de teatro que está sempre lotado, porque é de comunicação fácil, para um público comum. No meu tempo havia um ideal, que era a resistência à ditadura. Meu teatro lotava só para me ouvir chamar o jumento de Ernesto. Tenho saudades do tempo da ditadura. Agora eu vou atacar quem? (risos) Eu, particularmente, nunca fiz nada comercial por uma questão de princípios. Se quisesse fazer comércio, teria ido para secos e molhados, como todos os meus patrícios. Mas não sou contra. Na verdade, tenho até um pouco de ciúmes do Juca, porque ele escreve um teatro muito palatável, que também é necessário, pois o torna acessível ao público.

20/20 - Qual o efeito que o teatro tem nas pessoas?

Ruth Escobar: O teatro pode dar um outro olhar sobre o mundo. Eu trabalhei na penitenciária do Estado por dois anos, nos anos 70. Foi uma descoberta fantástica, porque você vê o lado humano daqueles presos. Via o impacto daquilo porque as famílias me beijavam as mãos, mandavam presentinhos e diziam que meu trabalho havia mudado o olhar deles sobre o mundo. Eles mesmos escreviam as peças, representavam, faziam o cenário. Isso devolveu a eles uma espécie de auto-estima. Era como se dissessem "Eu não sou um marginal. Está aqui a Ruth Escobar, trabalhando com a gente". Eles escreviam sobre a própria história, sobre coisas que aconteciam lá dentro e aquilo funcionava como uma terapia de grupo. O trabalho foi muito bonito, mas teve que parar porque houve uma rebelião e as autoridades me culparam, já que na época eu lutava pelos direitos dos presos. Um outro impacto é o tipo observado na última vez que montei Os Lusíadas. Naquela temporada, cheguei a fazer três espetáculos por dia porque resolvi levar as crianças ao teatro. Elas liam Os Lusíadas e achavam um porre, mas depois de assistirem à peça achavam interessantíssimo, ficavam motivadas a ler novamente. É uma coisa maravilhosa, porque de repente eles estão com um outro olhar no texto.

20/20 - Ao ler sua autobiografia (Maria Ruth - Uma Autobiografia, Editora Guanabara), existe algum arrependimento?

Ruth Escobar: Escrevi a autobiografia porque precisava colocar aquilo tudo pra fora. É importante que os jovens de hoje saibam do papel que artistas de teatro e alguns cantores tiveram nessa resistência. Se me arrependo de alguma coisa? Gostaria de ter aprontado mais. No governo militar, organizava as passeatas, fazia todas as faixas. E acho que talvez nem me dê tantos méritos quanto à resistência à ditadura porque no fundo era como se eu estivesse me rebelando contra meu pai. Acho que tudo o que aconteceu foi bom. Se eu tivesse vindo de uma família mais organizada não seria quem eu sou. Querer ser reconhecida, ter que ir à luta e trabalhar me deu muito estímulo.

20/20 - Qual é o próximo grande projeto de Ruth Escobar?

Ruth Escobar: Entrar no meu teatro e fundar uma companhia de repertório. E voltar ao palco como atriz. Ainda não sei a peça, mas o público pode se preparar.

Inoltz